Transeuntes

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A eternidade do amor

A vida humana é entre todas as dimensões
A maior prova de fogo
Que o universo cosmopolita nos submete

Viver é, tantas vezes, um ato de coragem
Um atravessar de uma passadeira de olhos fechados
Na ausência da consciência que existem carros

É acreditar que somos invencíveis
Que nascemos para a imortalidade
E que a nossa máquina é um modelo imperecível

Somos transeuntes de um corpo
Que ignora, vezes sem conta, as suas fragilidades
E negligencia as suas imunidades

Satisfazemos desejos e caprichos
Do físico que nos move
Desobedecendo às leis divinamente programadas

Vamos sendo moradores de um alojamento
Cuja manutenção é preterida à estética
E manipulada por amigáveis inimigos

Um momento na vida
É tudo o que basta
Para que a venda dos olhos se desfaça

Eis-nos, surpreendentemente, perdidos no pânico
Na incapacidade de gerirmos as alternativas
Angustiadamente lutando pela incógnita da sobrevivência

Sentimos o tempo como um ápice
Almejamos uma longa distância pelo fim
Perdemo-nos num labirinto
Ignorando os passos que nos conduzem até ele

Só o poder do amor é mapa
Norte das nossas defesas
Que adia a ruína
E prolonga a vida

No pior dos cenários
Só ele será eterno
Conduzir-nos-á para outra dimensão
Sem que nesta seja esquecido

Finda a missão
Expiram-se os sentidos
Mas jamais a eternidade do amor

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Nós

Uma folha em branco
É tudo o que tenho esta noite
Pano de fundo de um corpo sôfrego
Afogado em mágoas profundas

Quisera acreditar no poder da felicidade
Mas talvez seja mera ilusão dos sentidos
Que aguarda o nosso êxtase
Para nos roubar o contentamento

Um nó na garganta impede os desabafos
Socorre-se de prantos silenciosos
Apela ao altruísmo da causa
Sendo tangente dos limites do afogo

O meu porto seguro tornou-se agora no meu desabrigo
Cada gesto, cada passo, cada intenção
Corre o risco de um julgamento arrasador
Que teima em afastar-me da sua dor

Sou agora responsabilidade de dois corpos
Sem amparo de alguém
Que mergulhado no seu abismo
Encerra os olhos à sua luz

Quem dera acreditar que o passado recente não se esgotou
Que o amanhã há-de renascer, apagando as memórias do presente
Fazendo ressurgir uma nova esperança
Através de um túnel que o traga até nós.

Hoje, apenas a tristeza cabe
No povoado da fé
Apertada em nós
Que do coração nos fazem sós.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Liberdade Condicional


De olhares a risos
De risos a conversas
De conversas a pensamentos
De pensamentos a partilhas
De partilhas a cumplicidades
De cumplicidades a toques
De toques ao desejo
Do desejo à Paixão
Da paixão ao amor
Do amor à ilusão
Da ilusão à escravidão
Que estranha forma de vida é esta
Que nos vendem o amor
Como a maior de todas as ilusões
Para se transformar
Na pior das escravidões?

O laço mágico
Tido como inquebrável
Descuida a força do nó
Ignora os perigos alheios
Busca as ânsias pessoais
Descaracteriza o seu eu mais próximo
Negligencia as suas vontades
Enfraquece a união
E sem querer…o nó
Torna-se numa teia
De enredos imprevisíveis
Onde predomina o vazio

Esgotam-se as palavras
Reinam os silêncios
Para que a paz prevaleça
Abdica-se do ser
Para parecer
Que a promessa de felicidade
É nascente dos dias
E poente das noites

Que cultura de amor é esta
Que troca os sentimentos
De conquista surpreendente
Por um amor adquirido
De compreensão
Por momentos constantes de gritaria
De persuasão
Por tempos indefinidos de revelia?

Em tempos de guerra
Todas as armas são válidas
Crianças são escudos
Quando as balas já mataram
O amor prometido
A chantagem lidera as emoções
A teia montada
Escraviza o coração mais sensato

É tempo de enormes confrontos
Entre as convicções de vida
E a amargura da constatação
O desenlace de duas partes
Prometidas eternamente como uma

Saberá a velha geração
Sobrevivente a intempéries
Humanamente capaz de sofrer
Para perpetuar laços
Apontar um novo caminho
À geração descrente de amor?

Existirá ponto de retorno
Quando o “eu” já não é
Substituído por um “eu” sem essência
Desgarrado da espontaneidade
Ou meramente 
Uma liberdade condicional
Transformada em independência
Tristemente perdedora?

Queira Deus
Que a magia de um primeiro olhar
Tenha a capacidade de despertar
O fascínio do outro que ficou por descobrir...



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Chegar a ti

Chegar a ti
Pelo caminho
Incerto
Tortuoso
Tempestuoso
É o acto de amor
Que jamais
Provei



Chegar a ti
Pode levar-me
De todos os sonhos
Pode despedaçar
As minhas entranhas
Pode exigir
Todo o tempo

Chegar a ti
Pela ciência
Ignorando
A espontaneidade
De um momento
É o preço
De um bem-querer

Chegar a ti
Sem anéis
Despida
Fatigada
É o custo
Irrisório
Do querer-te

Chegar a ti
É a meta
Dos meus segundos
O ponto de partida
Dos meus dias
A transição
Das minhas noites

Chegar a ti
É subir a escadaria
De um céu
Carregado de nuvens
E encontrar
O sol
Quando tudo
Parece perdido

Chegar a ti
É escalar o Evareste
Ficar sem membros
Morrer de frio
Desfalecer
Sem nunca
Perder o norte

Chegar a ti
É a maior
Das incertezas
Da minha
Verdadeira
Certeza.




sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Hoje sou eu

Hoje sou eu sem reservas
Uma boneca de trapos
De cabelos soltos
Ao vento…
Sempre na esperança
Que uma fada de condão
Chegue para dissuadir
Todos os enredos
Libertar todos os nós
Unir todos os laços perdidos

Hoje sou eu sem máscara
Sensível, demasiado frágil
Para conseguir julgar
O meu coração
Há muito percebeu
Que isso nada importa
Quando ser feliz
É a sua razão

Hoje sou eu sem disfarce
Sem a protecção
De personagens
Sem brincos e maquilhagem
Apenas de olhos
Enrugados
Em lágrimas já esgotadas

Hoje sou eu sem escudo
Embriagada do mundo
Mas sóbria de mim….
Pudera saber ser
Anjo na selva
Abrir asas e voar
Sob as espécies ferozes
Enfeitiçá-las
Com o poder do amor

Hoje sou eu sem guardas
Sem armas e munições
Despida de ressentimento
Apenas nua
Ansiosa por sentir
Os preliminares
De um anúncio
Resplandecente
De paz!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Noites de Solidão

Sinto-me traída pelas minhas convicções
Que nas noites de solidão
Foram travando amizade com as minhas descrenças
Discutindo velozmente nas primeiras vezes,
As convicções proclamavam-se como imutáveis
Mas…gradualmente foram encontrando pontos em comum
E, subtilmente…
Foram encurtando as distâncias
As convicções toleraram o discurso das incertezas
Justificaram os motivos dos pontos de interrogação
Partilharam as razões da mudança
Inconscientemente…quem sabe?
As descrenças foram liderando as discussões
Classificando as convicções como monótonas
A ironia pairava nas suas palavras
E os rótulos de antiguidade e desajuste
Acabaram por escapar sem querer…
Até que as convicções cederam
E a pior das descrenças dominou
Embrulharam-se num turbilhão de emoções
A adrenalina apareceu e ficou durante horas
Mas hoje, à luz do sol
Sinto-me novamente perdida
Como se um vazio ditasse as regras
Entre a lua e o sol
Foram as convicções iludidas
Sem querer…humanamente traídas
Nas noites de solidão!

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

À distância d'um instante


Sinto neste instante a aproximação de um cumunolimbo,
Que segue em direcção a onde me encontro,
Um arrepio gélido percorre-me a medula
Todo o meu ser se imobiliza
Lentamente os meus músculos convergem
Confundem-se os membros, o tronco e a cabeça
Como se lutassem para proteger o coração
Oiço o adágio de Samuel Barber
E revejo a minha história de vida
Sob uma tela dinâmica imaginária
Acontecimentos passados
Palavras proferidas sem sentido
Vozes que entoam dor
Gritos de revolta
Sorrisos parcos

À distância de um instante
Quase sugada por um rodopio
De forças centrífugas
Surge-me a tua sombra
Onde estás?
Desejo profundamente
Que esta imagem não desapareça
Que permaneça eternamente
Gravada nas memórias
Do motor que teme em falecer

Sinto medo, muito medo
Que a tempestade me leve
Definitivamente de ti
E não mais possa sonhar

Já quase não consigo respirar
O oxigénio escasseia
Será a violência do vento
Ou dos remorsos?

Pudera eu reviver
Os momentos que passamos juntos
Alterar o rumo das nossas vidas
Viver corajosamente

Restar-me-ia a recordação
De um dia ter estado no teu leito
Para agora este enredo final
Não ser tão horrorosamente vazio…

Já quase não penso
Apenas sinto-te em mim…
À distância d’um instante