Transeuntes

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Que sentido?


Trim...toca o despertador, um novo dia inaugura,
Salto da cama a correr, cumpro as exigências matinais,
Lavo, visto, como, procuro as chaves, saio a correr…
Entre espera prolongada do elevador recordo o beijo matinal esquecido…
Não há tempo de voltar atrás, os minutos são determinantes para desafiar o trânsito…
Buzinas, apitadelas, manobras perigosas, passadeiras sem cor…
Eis-me entre prédios majestosos, entre torres mundiais, entre vozes de todas as nações…
O telefone não pára de tocar, quero conseguir responder-lhe, ele pediu-me ajuda, há já tanto tempo…
Ainda não vai ser hoje, o grande líder está desejoso de conhecer os meus resultados…
Hoje é o dia em que vou ser promovido, amanhã serei capa de revista, depois de amanhã líder mundial…
De repente, uma recordação que me assalta…em que teria deixado um vestígio de sangue no carro que trouxe hoje para o trabalho? Um pequeno esforço…mas não me lembro, ontem viajei de avião…
Interrompido pelos múltiplos interrogatórios feitos pela minha equipa de trabalho, apago as curtas-metragens inexplicadas e debruço-me em papéis…tento encontrar as respostas, mantenho o sorriso bem-disposto, a gargalhada que dispara em todas as direcções…Sim, tudo aponta que hoje será o dia…
Mais uns minutos, entrarei naquele sala e será confirmada a vitória de todo o esforço…
Toca o telefone, o que me quererá a Helena? Uma voz apressa o meu gesto, “Pedro, ele chama-te”. Minha querida, espera um pouco…não te atendo já mas ligar-te-ei logo que puder…o papá está a trabalhar para que nada te falte…Daqui a uns instantes, sei que eu, tu e a mamã poderemos fazer aquela viagem que há tanto havíamos sonhado, terei tempo para tirar uma semana de férias, terei tempo para passar uma noite inteira a contar-te histórias…
- Senta, Pedro. Tenho uma notícia para ti. Após vários estudos realizados, tudo indicava a certeza dos teus resultados, todavia, uma pequena distracção num pressuposto inicial, alterou o resultado final. Infelizmente, todas as horas que gastaste em torno deste projecto foram em vão…Esqueceste apenas que primeiro dado não era da tua competência, invalidaste a informação. A tua paixão ignorou o trabalho alheio, fez de ti o autor único de uma obra. Encontramos uma pessoa para te substituir, mais capaz de desenvolver esforços colectivos.
Uma sensação de derrota tomou conta de mim, um arrepio invadiu-me a espinha, as minhas pernas foram fraquejando, o meu olhar altivo deu lugar a um cabisbaixo…e, de repente, sinto-me destroçado…”Como foi possível acontecer um erro?”
Saio, abro a porta, e à minha espera está uma multidão enorme, pronta a aplaudir-me…bolos, champanhe, balões de festa tomaram conta de o meu escritório…Sou obrigado a admitir a derrota, é-me exigido um adeus quando deveria ser a glória o meu lenço…
Entre desalento e admiração, detecto sorrisos disfarçados, pego nos meus pertences e abalo…entre corredores estreitos vou respondendo aos cumprimentos cívicos…
Chego finalmente ao carro e, numa tentativa de conforto relembro o telefonema da pequena Helena…
“Querida, o que me querias?”
Do outro lado apenas oiço gritos de desespero, um choro de criança estridente, e percebo que são soluços, soluços de terror da pequena Helena…Oiço apenas a sua vozinha que sussurra: “a mamã morreu”. De repente, uma voz identificou-se como o médico de família de Sara, testemunhando a atrocidade de uma tuberculose.

Sim, hoje é o dia em que descubro as minhas fraquezas, as minhas ausências, os meus esquecimentos. Hoje é o dia em que aprendo a viver o prazer dos pequenos momentos. Hoje é o dia em que apreendo a valorizar os que me rodeiam. Hoje é o dia em que dedico cada minuto às pessoas que amo. Hoje é o dia que quebro as minhas certezas e interrogo: “Que sentido?”

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Letras


Apenas breves momentos vão atribuindo significado às curvas, às rectas que vão desenhando as letras.
Às vezes devagar, nascem as palavras, outras vezes, à velocidade da luz correm elas formando um pensamento.
Delas são extraídas uma realidade apreendida: o valor de um sonho, de uma dúvida, de uma reflexão, de uma observação, de uma vastidão de situações possíveis à mente humana e, simultaneamente, o altruísmo de um silêncio, o refúgio de um silêncio, o desprezo do dilêncio, a ador do silêncio das palavras...
Receptores são todos aqueles que aceitam juntá-las e delas fazem danças significantes...a estes nada lhes é imposto, nem o apelo do grito, nem a sobrecarga inerente das palavras.
Quem lê, lê com a consciência de um acolhimento, de um tempo de atenção...lê porque a curiosidade teima em ser reduzida ou procura saciar a fugacidade da realidade.
As palavras...são eternas...ficam, marcam o tempo individual e, através de algumas retrospectivas levam-nos a um tempo histórico. Por elas vivem homens à procura de conhecer um interior que não foi gravado...suscitam a dúvida, remetem para conclusões e, tantas são as vezes que terminam como hipóteses! A subjectividade de quem as lê, complementa a ambiguidade de quem as escreve...E os tempos correm...resta-lhes as palavras escritas em tábuas graníticas ou em prédios de fábricas reduzidos a pó.
Basta uma dança, uma palavra, para que alegremente elas se soltem e multipliquem e, lentamente, adornem um fundo branco, colorido, negro ou cinzento, frágil ou resistente, fugaz ou duradouro...devagar, devagarinho, em fuga, fugazmente, festejam uma comemoração qualquer (ou porque não) um fúnebre apagar de olhos e de sentidos?
Ricas ou pobres, jovens ou imortais, maternas ou estrangeiras, as palvras dão significado à vida de um alguém que sem saber se um dia irá ter um leitor, tem a esperança remota que será compreendido...

29 Junho de 2002