Transeuntes

sábado, 7 de junho de 2008

Cárcere do Tempo

Encerro os olhos
Relembro as fantasias de criança
As idas entusiastas à catequese
À procura de um menino extrovertido e alegre
Talvez a sombra do teu ser
Um pronuncio de cruzamento das nossas vidas
Um ápice repentino ao futuro

Afiguram-se, no meu cartão de memória,
Os profundos olhares trocados da essência infantil
As palavras repentinas e envergonhadas dos encontros casuais
A imaginação dos beijos que nunca chegara a concretizar
Os silêncios constrangedores na presença desse rapazinho

Relembro com saudade uma data especial na sua companhia
Passada num ninho exíguo, colorido e acolhedor
Decorado pela magia de uma dança ternurenta
Abraçada a si, distribuindo carinhos retribuídos,

Rememoro a chama acesa da esperança do dia seguinte
A vontade de perdurar a recordação tão persistente
A alegria na crença de um amor-perfeito
Ou a crença na alegria de um perfeito amor?

O amanhã do dia de ontem furtou o menino da tenra idade
Mas os ventos trouxeram-me os frutos de outras sementes
De vários quadrantes senti o desejo de partilha
Verdadeira paixão em tempo de espinhas e de roupas caras,
Amores platónicos nos intervalos de recintos escolares,
Atracções inconfessáveis em tempos de conquista académica,
Encontros virtuais, cafés infindáveis, afectos permutados, fogos fugazes,
Um vaivém de uma procura incansável…
Conduziu-me à inércia de 5 anos passados tentando acreditar na construção de um amor…infecundo!

Até que numa noite triste e aborrecida,
O destino transportou-me pela calada da noite
Às teclas de um monitor que me revelariam o poder das palavras
De sonhos penetrantes, intensos, encantadores e únicos
Fora preciso tantos anos, tantas canseiras, tantas desilusões,
Para numa noite órfã de tempo os nossos minutos se conectarem!

Desde, então, um novo brilho surgiria todos os dias no meu olhar,
Os dias passaram a ter o teu nome, as noites a tua voz,
Os homens do mundo o teu rosto, o aroma das flores o teu cheiro
A beleza da natureza os teus traços.

O universo parou, as estrelas uniram-se ao sol, a terra foi de férias,
Finalmente, conhecera a felicidade de deixar de desejar o amanhã!

Hoje, revivo a intensidade dos dias que fizeram história na minha vida. Hoje, sinto-me presa às teias de um passado que não voltará mais. Hoje, as recordações do passado enfraquecem a esperança do devir.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Precipício de sonhos

Uma ténue luz desperta do meu sonho. Acordo e, num ápice vislumbro a negrura da realidade e desconheço o motivo que me faz erguer. A obrigação social exige o domínio emocional. Entre vários movimentos repetidos, fecho a porta e parto para mais um dia.

Deixo-me levar pela incerteza dos meus pés que arrastam um corpo apático. Obedeço à razão que comanda os movimentos e caminho indefinidamente…No horizonte, o sol não se revela e a fraca luz solar reflecte a escuridão do meu dia.

Pelo caminho que me conduz à labuta, relembro a nossa história e perco-me em explicações infrutíferas.

À velocidade da rotação terrestre, consumimos sonhos, experimentamos sensações ímpares, partilhamos relatos, ignoramos o tempo, desprezamos a distância, desejamos ser um só…e, à mesma velocidade, fortalecemos a dúvida, consolidamos a extensão que nos separa, firmamos a importância dos grandes actos, esquecemos a grandeza dos pequenos detalhes, relativizamos os desafios, enfraquecemos os laços.

Jamais conhecera o poder sombrio da ausência, o pesar da saudade crescente, a angústia do silêncio…

Acreditei que a vontade de vencer os obstáculos bastaria para colmatar os quilómetros, dilatar a escassez do tempo, percorrer labirintos profissionais, criar laços afectivos com um novo mundo.

Tantas vezes, perante o desânimo me agarrei à força da esperança de um novo amanhã. E agora?

Neste instante, que faço das palavras história, reconforta-me a profundidade melódica que me faz acreditar que outros sobreviveram ao precipício dos seus sonhos.