Transeuntes

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Soldados de Guerra


Soldados de guerra em batalhas sem balas,
transportando migalhas em malas,
disparam rodopios contra os minutos,
amordaçam gritos com silêncios diminutos,
entre voltas sem benefício sentem revoltas,
saltam dias sem regalias.
De campo em campo semeando o destino,
desde o nascer do sol matutino,
vagueiam esforços de labuta,
em tempos que são de luta.
Autocarros apeanhados de gente sem esperança
contam histórias de vontade de vingança.
Caixas de correio sem respostas,
olhos de lágrimas e cabisbaixas posturas postas.
Telefones que não trazem contratação,
novos sentimentos de desilusão.
Papéis de experiências passadas sem oportunidade de futuro,
erudição que percorre um longo caminho duro.
Expectativas de vida nobre subjugadas a frustrações,
saibam calar a vaidade social e ensinar altruistas lições.
Tostões contados às escondidas,
é fado de inúmeras vidas.
Activos de todas as raças, géneros e idades,
testemunham a sobrevivência reduzida a piedades.
Terras longínquas trazem novos horizontes,
a quem se aventurar a atravessar as pontes.
Idiomas novos, abrigos improvisados e trabalhos forçados.
A dor da ausência de uma vida num quintal chamado Portugal.

terça-feira, 16 de outubro de 2007


Colo
Hoje as letras não abundam de paradoxos,
nem contemplam olhares, nem sequer elevam pensamentos,
A exteriorização do mundo faz-se também através da consciencialização das nossas necessidades.
Comer, beber, dormir...
abrigar, proteger, defender...
acarinhar, acolher, pertencer...
confiar, respeitar, gostar,
realizar, satisfazer, desenvolver...
Afinal, somos seres iguais...todos lutamos pela procura da concretização das mesmas necessidades...Maslow, analogamente a tantos lutadores pela defesa dos direitos humanos, teve o mérito de nos igualar não tanto através de direitos e de obrigações mas antes pelas nossas necessidades.
Quem de nós numa noite escura como a que a lua pinta lá fora,
após um dia de confusões intermináveis, comportamentos humanos complexos, desejos ilusórios,
não sente o desejo tão singelo de um simples colo?
A racionalidade é cinzenta, a dor escura...
O colo tem cores múltiplas...
de um avental axadrezado cheio de nódoas de gordura da mamã,
de umas calças castanhas gastas pelo tempo do papá,
da saia às pregas da tia que nos viu crescer,
de uma visita do senhor de barbas brancas que se vestiu de vermelho no dia de natal,
da bata branca da senhora professora que encostamos as lágrimas no primeiro dia de aulas,
da saia amarela da avó Zídia que ternamente nos convencia a ir para a escola em dias de teste,
do vestido colorido de um vizinho que nos abraça para soluçarmos,
das calças de ganga esbotadas de um amigo que nos escuta sem interromper,
da pele do namorado que se cola à nossa e nos faz sentir seres especiais,
da camisa engomada do irmão que estava de saída para o trabalho quando nos vê chorar,
das ceroulas do avô Fonseca que connosco bebe leite quentinho,
do fato do bombeiro que nos salva do perigo eminente,
da ama que nos muda as fraldas quando fazemos chichi e choramos sem parar...
Um colo tem as cores do mundo das pessoas...e de todas elas recebemos a sensação de protecção...
O colo que hoje aclamo...é o colo da serenidade, de um Deus que fale comigo, me escute e me tranquilize...É o teu colo Jesus que hoje anseio, são as tuas palavras que servirão para me saciar e é o teu coração que apelo para me escutar...Sê o meu ursinho protector de criança, só por esta noite e, ensina-me a ser braços, pernas, coração de colo de amor..quando o sol aparecer.
Vânia

sexta-feira, 5 de outubro de 2007



Vida Urbana

Sinais proibidos, ruas estritas
Caminhos tortuosos, atropelões sem rostos,
Sinfonias automobilísticas, vozes enraivecidas,
Reclames luminosos, vitrines foscas,
Cartazes coloridos, corpos sãos, mentes absorvidas,
Relógios que refilam, sapatos que desesperam,
Vozes que entoam em silêncios profundos,
Dias que passam com um nada por preencher,
Sacos coloridos em mãos ocupadas,
Portas cobertas por teias de aranha, condomínios protegidos,
Canteiros esquecidos outrora jardins,
Perfumes de marca, cheiro de fritos de fast food, odores de mendigo,
Slogans de verdade, mentiras de slogans,
Mãos de luxúria, sobreviventes sem dignidade,
Causas prometidas à face da rua dos que nela dormem,
Línguas de gente que não fala,
Gravatas importantes que não veêm,
Saltos que ignoram gemidos,
Corpos que deambulam sem percurso,

Conversas de multidões solitárias,
Mãos que acarinham cachorros, pés que pontapeiam humanos,

Seres urbanos...lavados em aromas campestres
Seres urbanos...tratados por ervas da terra
Seres Urbanos...vestidos por peles de animais
Seres Urbanos...saciados pela água da chuva
Seres Urbanos...protegidos pela benção divina
Seres Urbanos...realizados pelo dom da vida

Esquecésteis que também sois Seres Humanos?


quarta-feira, 3 de outubro de 2007


Ser Mulher...no Mundo

Distintas nos traços, formas e cores,
revestidas por genes vários,
emancipadas nos cantos citadinos,
robustas entre ervas e foices,
caladas em casas de barro,
ignoradas no seio de tribos pela civilização,
violentadas pelas amarguras das ruas,
ignoradas por rostos de todos os dias,
desejadas por um corpo de prazer,
conhecidas pela astúcia na sobrevivência,
esquecidas pelas rugas da labuta,
submitidas a um destino que não lhes pertence,
queridas por tesouros que expressam,
conquistadoras de liberdades não herdadas,
incompreendidas na sua fé e castidade,
desdenhadas por berços sem pai,
gastas pelo conforto dos outros,
sonhadoras de príncipes que não existem,
muletas de pernas sem destino,
encorojadas pela força do amor,
mestres de uma sabedoria sem letras,
dissuadoras de intempéries humanas,
resumidas à existência sem vontade própria,
aplaudidas pelo esforço de papéis mesclados,
Ser mulher... é um sentir comum
a certeza que transportamos parte do mundo,
cada vez que entre gritos, desesperos e felicidade,
um novo mundo nasce do nosso ventre.
Ser mulher no mundo... de um mundo que cresce em nós.